Coisas interessantes

domingo, 2 de fevereiro de 2014

Rehab

Acho que a gente aprende depois de algum tempo.

Observo um copo pela metade logo em frente a ela, um cinzeiro com umas poucas bitucas. Eles não entendem quando ela diz que está se desintoxicando. Às vezes a gente precisa abater o corpo para desanuviar a mente. Eles não entendem. Falam de câncer, de doença, de vício. De que isso me importa, se finalmente ela se livra do pior de todos os vícios? O que são uns drinks e uns cigarros quando existe algo muito mais negro devorando sua alma, pedaço por pedaço? O que é uma briga de bar, o que são alguns hematomas na cara comparados a um coração devorado por vermes (lentamente, com mordidas tão pequenas que nem se percebe a morte chegando)?

A jovem discorda de seu amigo London: "Ela - não - fica a cada drink mais bonita."

O triste
é:

Ela concorda com seu amigo London: "Quero que a estrada venha sempre até você, e que o vento esteja sempre a seu favor. Quero que haja sempre uma cerveja em sua mão, e que esteja ao seu lado seu grande amor."

Mas que amor era aquele?

O amor a quebrou.

A Rehab é um lugar igualmente quebrado.

E se tudo estiver acontecendo em seu Palácio Mental?

Ele já salvou Sherlock da morte.

Poderia salvá-la também.

Explicaria as paredes acinzentadas, a falta de um garçom. Explicaria sua solidão naquela espelunca. Explicaria o fato de ser uma espelunca. É um vestígio, um pedaço do apodrecido. É o bar que o veneno criou. O veneno está aos poucos saindo do organismo (snap it, work it, quick - erase it), mas ainda deixou esse buraco no Palácio.

Ela foi longe demais pra desistir de quem é.


Apenas observo enquanto ela vira a cabeça para o cinzeiro. Lentamente, a jovem o recolhe do balcão e olha para o espelho à sua frente. O que ela vê é algo que parecia ter saído de um clipe do Radiohead. Olheiras, amargura. "Quando o Sol nascer a oeste e se puser no leste. Quando os mares secarem e as montanhas forem sopradas pelo vento como folhas. Quando meu ventre voltar a ganhar vida e der à luz um filho vivo. Então regressará, meu sol-e-estrelas, e não antes." Conhecendo a impossibilidade das palavras que continuavam a ressoar no Palácio, ela atirou o cinzeiro em seu reflexo, soltando o grito mais tenebroso e mais cheio de pesar ouvido nessa Terra. O grito veio diretamente de sua alma. O espelho se estilhaçou em incontáveis pedaços, e ela finalmente encontrou a saída secreta da Rehab. Ali havia uma tesoura, com a qual ela prontamente cortou as longas madeixas e também as deixou para trás. Entrou então pelo túnel atrás do espelho, e começou a trilhar pela saída. Deixava para trás mapas, cartas, flores, votos. Deixava todas as suas lembranças.

Por fim, ela chegou a um detonador que ficava na metade do caminho. Ela o acionou sem olhar para trás.

No fim do túnel, olhos castanhos e um abraço exatamente do seu tamanho a esperavam emanando um calor que há anos ela não sentia.

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