Coisas interessantes

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Sad Christmas




Aquele seria o terceiro Natal sem ela.

Dezembro acabava de chegar, trazendo uma fina neve consigo. Da cozinha vinha um cheiro leve de biscoitos assados e canela, um aroma típico daquela casa quando a época das festas de fim de ano chegava. A dor de não ter Emily por perto ainda era grande, e as investigações permaneciam fortes em cima do caso de sequestro que chocou Whereverville. Ao tirar os biscoitos do forno, Alice separou alguns em um saquinho - como fizera desde o primeiro Natal sem sua afilhada - e o amarrou com uma fita verde. Criando sua própria tradição o deixou sob o pinheirinho, juntinho dos presentes debaixo da árvore. Sempre fazia saquinhos de biscoitos de Natal para as crianças, e a ausência de Emily não a impediria de manter as esperanças acesas e a massa assando até sua menininha voltar.

Para aquele Natal, Alice pediu a James para que escrevesse ao Papai Noel uma cartinha, pedindo o que ele gostaria de ganhar daquela vez. O garoto, já com dez anos, olhou de uma forma desconfiada para a mãe, que teve de recorrer ao bom humor inabalável de Christopher para convencer o filho. Ele estava crescendo rápido... Mais rápido do que Alice gostaria. O pior é que ela tinha a certeza de que o motivo principal desse amadurecimento precoce de James era falta de sua melhor amiga. Terminou de limpar a cozinha pensando nisso, e então saiu para dar uma espiada nos quartos. 

Giovanna tirava um cochilo, com Lois dormindo por cima dela e papéis com desenhos em giz e se esparramavam pelo chão, por cima de vestidos de festa roubados do closet de Alice. Com um sorrisinho, ela partiu para espiar o quarto de James. Normalmente ele estaria ali com Ryan, ou não estaria dentro de casa; dessa vez, porém, ele estava sentado à escrivaninha, concentrado em alguma coisa que Alice imaginava ser a tal cartinha. James era uma mistura tão interessante de seus pais que às vezes era difícil saber com quem se parecia mais: era difícil que ele parasse para fazer uma coisa só, como Chris. Ainda, quando conseguia, seu semblante compenetrado era quase uma cópia da expressão estudiosa de sua mãe. De fininho, Alice foi para a sala com alegria e tristeza dançando em seu coração, e ligou a televisão em um canal qualquer.

***

James não queria que ninguém lesse o que escreveu. Assim, ao terminar, colocou a carta em um envelope - feito por ele mesmo com sulfite e grampeadores - e "lacrou" a correspondência com cola branca. Evitando fazer barulho, passou pela sala com cuidado para não acordar sua mãe - que dormia profundamente no sofá, ao som de um programa desses de mulherzinha - e surrupiou um selo do escritório de seus pais. No envelope, as palavras "Ao Papai Noel, em mãos; de James L. W. - Whereverville" especificavam que apenas o destinatário teria a permissão de ler a carta. Então, antes de dormir, colocou o envelope debaixo de seu travesseiro; acordaria cedinho para colocar a carta no correio sem que ninguém percebesse.

***

Alice estava inquieta naquela madrugada. Tomada pela insônia, ela foi para a cozinha. Após beber um copo de leite e comer um biscoito frio, foi novamente olhar suas crianças. Giovanna e James dormiam despreocupadamente, arrancando sorrisos amorosos da mulher. Ela ficou mais tempo no quarto de seu menino, acariciando seus cabelos até notar a ponta de um papel saindo debaixo do travesseiro dele. Ela encontrou a carta, e em silêncio a levou para a sala. Observou o envelope por um tempo, para depois abrí-lo com cuidado e ler seu conteúdo.

"Querido Papai Noel,
Acho que eu não deveria acreditar no senhor ainda... Já tenho dez anos, né? Sou quase um homem feito, e todos os meus amigos já não acreditam mais. Mas o senhor sempre me trouxe tudo o que eu pedia, então não tenho por que não acreditar no senhor.

Noel, eu acho que me comportei nesse ano. Sempre ajudava a mãe quando ela me pedia, obecedi o paisempre que achei que ele estava certo (mas tenho que me defender quando acho que tô certo, né não?), e protegi a Gigi na escola quando ela precisou. Acho que fui um menino bonzinho, né? Porque foi difícil, Noel. E eu vou te contar por que agora.
Já tem três anos que a minha melhor amiga sumiu. Ela era minha vizinha, e afilhada  da minha mãe... E eu sou afilhado da mãe dela. Até fazemos aniversário no mesmo dia! O senhor lê jornal, Sr. Noel? Se sim, pode ter visto a notícia. O nome dela é Emily Owen Williams, e esse é o terceiro Natal em que os biscoitinhos que a minha mãe faz pra ela não são comidos. Eles só ficam ali.
Tá todo mundo muito triste, Sr. Noel. Minha dinda, meu dindo e mais todo mundo que conhece a gente... Porque não a encontramos ainda. Então eu queria pedir, do fundo do coração, pra não me dar brinquedos nesse ano. Não precisa mesmo, Noel. Só traz a Emily de volta, por favorzinho? Não vai ser um presente só pra mim, Noel! Pensa nisso!
Um grande abraço,
James."

Ao terminar de ler a carta, Alice soluçava. A dor de perder sua afilhada a atingira com toda a força novamente, como um tiro, juntamente com a súplica de seu filho naquela carta. Sentia culpa, tristeza, preocupação e arrependimento ao segurar o pedaço de papel com a letrinha caprichada de seu filho. "Por favorzinho?", ele pediu; e Alice, por um momento, pediu também um "por favorzinho" sussurrado para o nada. Então lacrou novamente a carta, recolocando-a no mesmo lugar em que a encontrara, e passou a noite em claro; e várias outras noites depois daquela, também.

***
O Natal chegou, passou, e o pedido de James não foi atendido.
No quarto Natal sem sua melhor amiga, o menino já não acreditava mais em Papai Noel.

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Blood Issues.




Trata-se afinal do sangue. Esqueça a época, a evolução mundial e os avanços em magia; o sangue sempre terá o seu valor. O que sempre moveu o mundo foi o elitismo, o berço. Aqueles que têm por nascimento o direito de gorvernar são os que devem fazê-lo. A grande massa nasceu para ser comandada por alguém melhor instruído, criado e ensinado desde a mais tenra idade para assumir um dia o que lhe foi predestinado: o poder. E quem melhor para ter o poder em mãos do que um membro de uma raça superior? Trouxas devem se submeter aos bruxos. Opositores devem queimar em fogo selvagem, e seus gritos devem servir de exemplo para o povo dominado. O líder, é claro, deve ter não apenas magia correndo em suas veias: mas sim uma magia limpa, pura. A linhagem deve ser preservada. Deve ser filho de um casamento sacramentado, arranjado entre famílias poderosas que, naturalmente, devem se unir.

Ou não. Mas foi isso o que me ensinaram.

Descobri, muito recentemente, que ter sangue puro e ser o fruto de uma união poderosa é uma maldição. O sangue me traiu. O mesmo sangue que me dá poder... Me roubou a inocência. Eu senti, pela primeira vez em minha vida, o que é o calor do ódio dentro do peito; dissolvendo lentamente tudo de bom que um dia houve no coração - e por que não na mente? - de alguém. Senti minha sanidade se esvaíndo quando ouvi, da boca de um Hedberg, que... Surpresa! Eu não sou uma Crawford. Ouvi - e fui a única a ouvir - minha existência ser invalidada. O Hedberg, que ironicamente era meu mentor de Oclumência e um traidor imundo, me contou que Chloe Crawford não existia.

Eu nunca fui uma Crawford. Meu sobrenome de direito era... Hedberg.

O que significa que Chloe Hedberg anula a pobre e inocente Chloe Crawford. E ela não é nada além de uma mera bastarda.

Não que eu já não nutrisse um desafeto por Aldrick Hedberg. Há três anos, quando o flagrei com minha amada progenitora - não que eles saibam disso - em condições nada respeitáveis, eu o odiei. Ou pelo menos pensei que odiei a ambos. Eu não sabia realmente o que era odiar alguém; hoje digo que apenas senti raiva. Afinal eu era a menininha do papai. Ver minha mãe deitada com outra pessoa era... Inaceitável. Imperdoável. O ódio, o verdadeiro sentimento de ódio, eu apenas senti quando descobri que eu era nada menos do que o fruto daquela sujeira, daquela comunhão maldita. Essa granada sem um pino foi colocada em minhas mãos, e fui despachada para Hogwarts pela primeira vez segurando-a.

Alguém um dia me disse que guardar rancor apenas faz mal ao baú em que ele é colocado. Uma metáfora boba para eu entender que rancor apenas apodreceria o coração de quem o guardasse. Os anos se passaram e a cada dia, a cada hora passada, eu discordava mais dessa afirmação. A cada lição na Escola de Magia eu sentia uma arma a mais sendo colocada em minha mão. A cada treino de Legilimência ou Oclumência eu assistia ao crescimento de minhas habilidades. O destino que aguardava Iana Crawford e Aldrick Hedberg seria amargo; e estava, para o meu contentamento, em minhas mãos.

O rancor me fez renascer. O sangue me deu uma razão nova para tocar minha vida. Fui presenteada - e, novamente, amaldiçoada - com duas faces. Crawford? Hedberg? Sou ambos, e sou nenhum. Desde aquele primeiro de setembro, no qual fui enviada para longe de minha família com uma bomba em mãos, fui movida pelo rancor. Um motivo para que eu continuasse viva foi estabelecido: a vingança. A vida de um bastardo é cercada pelo desejo de autodestruição. E a culpa dessa terrível vontade de não existir... É dividida entre aqueles que me trouxeram a este mundo.

Minha mãe costuma me dizer que eu sou perfeita.

Eu concordo. Sou perfeita. Exatamente como ela e meu pai serão, quando eu os destruir com minhas próprias mãos.

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

A descoberta de Giovanna



Um trovão a acordou com um susto naquela madrugada. Ela respirou fundo quando percebeu que era apenas aquilo. Um trovão. Giovanna se levantou de sua cama, indo até a janela. Abriu um pouco uma das cortinas, para observar a tempestade daquela pequenina fresta. Gostava de chuva, mas a violência que assolava a cidade naquela noite a deixava com medo.

Um relâmpago... E outro trovão. Ela se assustou novamente, mas dessa vez, o motivo não foi o que estava lá fora. A garota jogou os cabelos castanhos para trás, tentando disfarçar o nervosismo; sentia que havia mais alguém no quarto com ela. Não se atreveria a virar-se. Ao invés disso, abriu totalmente a cortina, e quase que imediatamente soltou um grito terrível, um berro de horror - pois na sua janela, além do reflexo fraco de sua cama, havia também o reflexo de uma silhueta que a fitava de forma ávida, ansiosa. Ela finalmente se virou, pegando o primeiro objeto que alcançou - um porta-retrato - e atirando-o na direção da silhueta.

O porta-retratos se espatifou na parede. 

Giovanna segurou a respiração até perceber que realmente estava sozinha. Ela pegou o porta-retrato quebrado e cuidadosamente juntou os cacos  de vidro. Parou então por um momento para admirar a fotografia que o objeto costumava abrigar: uma bela imagem de sua mãe, mais ou menos com sua idade, e seu avô ao lado dela. Reparava que, em seu próprio rosto, herdara alguns traços de seu avô; talvez mais nitidamente do que sua mãe. Tinham, Giovanna e seu avô, o mesmo semblante gentil; também o mesmo olhar sereno. Colocou a fotografia em cima de sua escrivaninha, parando para observar os outros três porta-retratos: um com a imagem dela, juntamente com seus pais e seu irmão, tirada há poucos meses. Os quatro sorrisos cintilavam ao sol. O segundo era uma foto de seu irmão com seus padrinhos - Jared Pollcheck e Iris Owen -, com dois sorrisos sinceros e um semblante malicioso, travesso. A terceira fotografia foi colocada recentemente em cima dessa escrivaninha: uma imagem da irmã de sua mãe, uma bela mulher chamada Beatrice. Ela se parecia muito com Alice. Tinha cabelos escuros, um tanto avermelhados, olhos cor de jade e uma aveludada palidez na pele. Alice, contudo, tinha um rosto gentil e delicado. Já Beatrice se parecia mais com a própria, também chamada Beatrice. A tia de Giovanna não era filha de seu avô. Aliás, a jovem - que agora fitava as quatro fotografias com certo incômodo -, há poucos meses atrás, sequer sabia que sua mãe tinha uma irmã. Ninguém sabia.

A mulher, de qualquer forma, faleceu ao dar a luz. O primo da morena, um rapaz chamado Erick Frostheart, herdara poucos traços da mãe. Giovanna se sentia mal por não ser tão envolvida com esse lado da família... Como se estivesse perdendo algo. Como se houvesse uma falha ainda não muito clara na estruturação da sua família.

Algo ali estava errado.

Ela se sobressaltou novamente ao ver outro lampejo, seguido de um trovão ensurdecedor. Para sua maior surpresa - e também para o seu terror -, o relâmpago iluminou dois vultos em seu quarto. Algo, porém, acalmou minimamente seu coração: seu avô e sua tia sorriam em sua direção.

Com a escuridão eles desapareceram. Boquiaberta, a garota caiu sentada em sua cama, com os olhos arregalados. Ofegava. 

"Such a beauty--", uma grave voz sussurrou. Ela estava, obviamente, assustada. Contudo, sua curiosidade superava seu medo.

- Quem...?

"Você sabe."

Giovanna não dormiu naquela noite. Poderia, sim, estar enlouquecendo. Aquilo poderia ser fruto de seus medos, suas esperanças, ou mesmo do sono; mas ela não acreditava nisso.

Em seu esperançoso coração, tinha muita fé na maravilhosa e assustadora possibilidade de ter realmente trocado palavras com seu avô.