Aquele seria o terceiro Natal sem ela.
Dezembro acabava de chegar, trazendo uma fina neve consigo. Da cozinha vinha um cheiro leve de biscoitos assados e canela, um aroma típico daquela casa quando a época das festas de fim de ano chegava. A dor de não ter Emily por perto ainda era grande, e as investigações permaneciam fortes em cima do caso de sequestro que chocou Whereverville. Ao tirar os biscoitos do forno, Alice separou alguns em um saquinho - como fizera desde o primeiro Natal sem sua afilhada - e o amarrou com uma fita verde. Criando sua própria tradição o deixou sob o pinheirinho, juntinho dos presentes debaixo da árvore. Sempre fazia saquinhos de biscoitos de Natal para as crianças, e a ausência de Emily não a impediria de manter as esperanças acesas e a massa assando até sua menininha voltar.
Para aquele Natal, Alice pediu a James para que escrevesse ao Papai Noel uma cartinha, pedindo o que ele gostaria de ganhar daquela vez. O garoto, já com dez anos, olhou de uma forma desconfiada para a mãe, que teve de recorrer ao bom humor inabalável de Christopher para convencer o filho. Ele estava crescendo rápido... Mais rápido do que Alice gostaria. O pior é que ela tinha a certeza de que o motivo principal desse amadurecimento precoce de James era falta de sua melhor amiga. Terminou de limpar a cozinha pensando nisso, e então saiu para dar uma espiada nos quartos.
Giovanna tirava um cochilo, com Lois dormindo por cima dela e papéis com desenhos em giz e se esparramavam pelo chão, por cima de vestidos de festa roubados do closet de Alice. Com um sorrisinho, ela partiu para espiar o quarto de James. Normalmente ele estaria ali com Ryan, ou não estaria dentro de casa; dessa vez, porém, ele estava sentado à escrivaninha, concentrado em alguma coisa que Alice imaginava ser a tal cartinha. James era uma mistura tão interessante de seus pais que às vezes era difícil saber com quem se parecia mais: era difícil que ele parasse para fazer uma coisa só, como Chris. Ainda, quando conseguia, seu semblante compenetrado era quase uma cópia da expressão estudiosa de sua mãe. De fininho, Alice foi para a sala com alegria e tristeza dançando em seu coração, e ligou a televisão em um canal qualquer.
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James não queria que ninguém lesse o que escreveu. Assim, ao terminar, colocou a carta em um envelope - feito por ele mesmo com sulfite e grampeadores - e "lacrou" a correspondência com cola branca. Evitando fazer barulho, passou pela sala com cuidado para não acordar sua mãe - que dormia profundamente no sofá, ao som de um programa desses de mulherzinha - e surrupiou um selo do escritório de seus pais. No envelope, as palavras "Ao Papai Noel, em mãos; de James L. W. - Whereverville" especificavam que apenas o destinatário teria a permissão de ler a carta. Então, antes de dormir, colocou o envelope debaixo de seu travesseiro; acordaria cedinho para colocar a carta no correio sem que ninguém percebesse.
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Alice estava inquieta naquela madrugada. Tomada pela insônia, ela foi para a cozinha. Após beber um copo de leite e comer um biscoito frio, foi novamente olhar suas crianças. Giovanna e James dormiam despreocupadamente, arrancando sorrisos amorosos da mulher. Ela ficou mais tempo no quarto de seu menino, acariciando seus cabelos até notar a ponta de um papel saindo debaixo do travesseiro dele. Ela encontrou a carta, e em silêncio a levou para a sala. Observou o envelope por um tempo, para depois abrí-lo com cuidado e ler seu conteúdo.
"Querido Papai Noel,
Acho que eu não deveria acreditar no senhor ainda... Já tenho dez anos, né? Sou quase um homem feito, e todos os meus amigos já não acreditam mais. Mas o senhor sempre me trouxe tudo o que eu pedia, então não tenho por que não acreditar no senhor.
Noel, eu acho que me comportei nesse ano. Sempre ajudava a mãe quando ela me pedia, obecedi o paisempre que achei que ele estava certo (mas tenho que me defender quando acho que tô certo, né não?), e protegi a Gigi na escola quando ela precisou. Acho que fui um menino bonzinho, né? Porque foi difícil, Noel. E eu vou te contar por que agora.
Já tem três anos que a minha melhor amiga sumiu. Ela era minha vizinha, e afilhada da minha mãe... E eu sou afilhado da mãe dela. Até fazemos aniversário no mesmo dia! O senhor lê jornal, Sr. Noel? Se sim, pode ter visto a notícia. O nome dela é Emily Owen Williams, e esse é o terceiro Natal em que os biscoitinhos que a minha mãe faz pra ela não são comidos. Eles só ficam ali.
Tá todo mundo muito triste, Sr. Noel. Minha dinda, meu dindo e mais todo mundo que conhece a gente... Porque não a encontramos ainda. Então eu queria pedir, do fundo do coração, pra não me dar brinquedos nesse ano. Não precisa mesmo, Noel. Só traz a Emily de volta, por favorzinho? Não vai ser um presente só pra mim, Noel! Pensa nisso!
Um grande abraço,
James."
Ao terminar de ler a carta, Alice soluçava. A dor de perder sua afilhada a atingira com toda a força novamente, como um tiro, juntamente com a súplica de seu filho naquela carta. Sentia culpa, tristeza, preocupação e arrependimento ao segurar o pedaço de papel com a letrinha caprichada de seu filho. "Por favorzinho?", ele pediu; e Alice, por um momento, pediu também um "por favorzinho" sussurrado para o nada. Então lacrou novamente a carta, recolocando-a no mesmo lugar em que a encontrara, e passou a noite em claro; e várias outras noites depois daquela, também.
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O Natal chegou, passou, e o pedido de James não foi atendido.
No quarto Natal sem sua melhor amiga, o menino já não acreditava mais em Papai Noel.