"Há muitas e muitas luas atrás, tive um grande desapontamento com o mundo. Na situação atual eu vejo que aquilo não foi nada, na verdade. Mas há muitas luas atrás eu fui traída... Se pudesse escolher, na época, gostaria de ser literalmente apunhalada pelas costas. Mas agora... Não é nada. Deixando isso registrado, prossigamos para o meu relato...
Eu era uma moça jovem quando tive a ideia de abrir uma editora com meu também jovem namorado. O pensamento surgiu quando, em uma dessas viagens brutas pelo mundo, senti a vontade de ajudar jovens sonhadores como Dmitri e eu. Oportunidades estão em falta, sabe. Pois então, cinco anos depois, conseguimos concretizar esse sonho. Rápido, não? Também achei, e aí nos casamos. Tudo estava fácil e feliz demais. Agora, acredite se quiser: em apenas mais cinco anos, a Editora Brasileiríssima ganhou um "Global" no final.
Crazy, right?
Pois muito bem, nossa editora estava entre as mais importantes do mundo. Concursos e concursos eram abertos, jovens escritores do mundo inteiro eram publicados, obras de qualidade iam para as estantes; estantes que exalavam... Novidade. Isso gerou uma certa revolta daqueles escritores velhos que monopolizavam o mercado uma década antes do nosso surgimento. Nosso erro - meu erro - foi abrir as portas do quadro administrativo para esses experientes trabalhadores do ramo das estórias. Um grande golpe foi maquinado por aqueles sociopatas escondidos por seus personagens igualmente sociopatas, e Dmitri e eu perderíamos nossa Brasileiríssima em pouquíssimo tempo.
Assim, antes de perdê-la, a dissolvemos.
Após isso, com a renda de dez anos sendo guardada, talvez, para o sustento de filhos, construímos um abrigo. Nos instalamos em uma ilha no mar do Caribe, e construímos um forte debaixo da terra. A ilha, para quem a olhasse, estava desabitada. Que nada. Estávamos ali, enterrados na areia como uma concha muito chateada por ser usada o tempo todo por senhores molusquinhos. Não queríamos ver ninguém.
E as luas passaram...
Com o tempo, nossos sistemas de segurança acusavam que não era mais seguro sair. Aparentemente a Terceira Guerra Mundial tinha começado, e bombas resolveram explodir cidades por não terem mais nada com que brincar. Apenas estocamos uns alimentos e esperamos isso passar, sem vontade nenhuma de sair, mesmo.
Mais luas se passaram...
Já estávamos velhos. Dmitri e eu já tínhamos lido todos os livros do nosso acervo exaustivamente. Então, quando completei oitenta anos, senti a morte se aproximar do velho casal. Oras, não queria morrer sem dar uma última olhadinha na superfície... Vai que estava melhor?
Foi o que fiz. Após ter certeza de que os níveis de oxigênio estavam aceitáveis, o elevador me levou para a superfície da nossa ilhazinha esquecida. A luz do Sol me deixou atordoada por alguns momentos, e o calor foi sentido como nunca antes. Quando consegui olhar em volta, o choque: não havia mais nada. Nem mar, nem terra como eu a conhecia. Tudo era pedra. Não havia uma planta, um animal, um ser humano. Com um breve sorriso, me dei conta de que poderia ser uma das últimas humanas vivas. Então desci novamente para o meu refúgio e comecei a escrever essa carta, dizendo ao meu Dmitri que não havia nada para ser visto lá fora.
Então, sr. E.T. que possa vir a ler isso: não destrua seus inimigos que nem os vogons. O jeito humano é tão mais divertido que foi extinto.
Att,
A Última Humana Viv--
Att,
A Última Humana Viv--