Coisas interessantes

sexta-feira, 31 de maio de 2013

Radioactive

"Há muitas e muitas luas atrás, tive um grande desapontamento com o mundo. Na situação atual eu vejo que aquilo não foi nada, na verdade. Mas há muitas luas atrás eu fui traída... Se pudesse escolher, na época, gostaria de ser literalmente apunhalada pelas costas. Mas agora... Não é nada. Deixando isso registrado, prossigamos para o meu relato...

Eu era uma moça jovem quando tive a ideia de abrir uma editora com meu também jovem namorado. O pensamento surgiu quando, em uma dessas viagens brutas pelo mundo, senti a vontade de ajudar jovens sonhadores como Dmitri e eu. Oportunidades estão em falta, sabe. Pois então, cinco anos depois, conseguimos concretizar esse sonho. Rápido, não? Também achei, e aí nos casamos. Tudo estava fácil e feliz demais. Agora, acredite se quiser: em apenas mais cinco anos, a Editora Brasileiríssima ganhou um "Global" no final.

Crazy, right?

Pois muito bem, nossa editora estava entre as mais importantes do mundo. Concursos e concursos eram abertos, jovens escritores do mundo inteiro eram publicados, obras de qualidade iam para as estantes; estantes que exalavam... Novidade. Isso gerou uma certa revolta daqueles escritores velhos que monopolizavam o mercado uma década antes do nosso surgimento. Nosso erro - meu erro - foi abrir as portas do quadro administrativo para esses experientes trabalhadores do ramo das estórias. Um grande golpe foi maquinado por aqueles sociopatas escondidos por seus personagens igualmente sociopatas, e Dmitri e eu perderíamos nossa Brasileiríssima em pouquíssimo tempo.

Assim, antes de perdê-la, a dissolvemos.

Após isso, com a renda de dez anos sendo guardada, talvez, para o sustento de filhos, construímos um abrigo. Nos instalamos em uma ilha no mar do Caribe, e construímos um forte debaixo da terra. A ilha, para quem a olhasse, estava desabitada. Que nada. Estávamos ali, enterrados na areia como uma concha muito chateada por ser usada o tempo todo por senhores molusquinhos. Não queríamos ver ninguém.

E as luas passaram...

Com o tempo, nossos sistemas de segurança acusavam que não era mais seguro sair. Aparentemente a Terceira Guerra Mundial tinha começado, e bombas resolveram explodir cidades por não terem mais nada com que brincar. Apenas estocamos uns alimentos e esperamos isso passar, sem vontade nenhuma de sair, mesmo.

Mais luas se passaram...

Já estávamos velhos. Dmitri e eu já tínhamos lido todos os livros do nosso acervo exaustivamente. Então, quando completei oitenta anos, senti a morte se aproximar do velho casal. Oras, não queria morrer sem dar uma última olhadinha na superfície... Vai que estava melhor?

Foi o que fiz. Após ter certeza de que os níveis de oxigênio estavam aceitáveis, o elevador me levou para a superfície da nossa ilhazinha esquecida. A luz do Sol me deixou atordoada por alguns momentos, e o calor foi sentido como nunca antes. Quando consegui olhar em volta, o choque: não havia mais nada. Nem mar, nem terra como eu a conhecia. Tudo era pedra. Não havia uma planta, um animal, um ser humano. Com um breve sorriso, me dei conta de que poderia ser uma das últimas humanas vivas. Então desci novamente para o meu refúgio e comecei a escrever essa carta, dizendo ao meu Dmitri que não havia nada para ser visto lá fora.

Então, sr. E.T. que possa vir a ler isso: não destrua seus inimigos que nem os vogons. O jeito humano é tão mais divertido que foi extinto.

Att,
A Última Humana Viv--

sexta-feira, 17 de maio de 2013

Um pulo de fé.

O jovem fechava seu notebook, acabara de postar uma fotografia com o namorado em uma rede social. Há cinco minutos tinha ido ao ar, e já registrava trinta e dois "likes". Pagava a conta de seu pedaço de torta e do café ruim e pequeno pensando nisso, e saía do lugar no qual dera check-in no Foursquare. Caminhava lentamente pela rua, mochila nas costas, pensando. Pensando em como queria ser especial.

Pois todos eram tão especiais...

E ele não sabia o que estava fazendo ali.

Gostaria de ter um maior controle sobre a sua vida, gostaria de ser perfeito como as pessoas que ele via  sorrindo na internet e na rua; embora na rua elas não parecessem tão... Especiais. O jovem sorria para as fotos, mas cada clique daquele parecia arrancar um pedaço de si. Cada flash parecia roubar um pedaço de sua alma, e ele sentia sua vida cada vez mais vazia. É claro que ninguém desconfiava disso; ele sempre sorria, como a maioria das pessoas à sua volta. Sempre ouvia comentários sobre pessoas invejando sua vida, querendo ser como ele; bonito, inteligente, com um namorado incrível, uma família legal e um futuro brilhante.

Ele, contudo, não se sentia bonito. Achava a escola fácil demais. Apanhava do namorado e sua família só mantinha uma aparência de aceitar sua sexualidade, agredindo-o dentro de casa. Não ousava, porém, quebrar essa impressão de levar uma vida feliz, não queria ninguém sentindo pena dele. Então, ao chegar em seu prédio, pensou que não olhava para o céu há algum tempo. Subiu direto para o terraço, deitando-se no mirante de barriga pra cima.

As estrelas eram poucas. Ele não pertencia àquele lugar, de poucas estrelas, muitos aviões e boas almas em falta. Não odiava o lugar, não. Apenas... Não pertencia àquilo. Não era sua casa, nunca fora. Assim,  começou a considerar uma viagem. Seria tão bom viajar! Ver outras coisas, ver gente nova, tentar encontrar um lugar em que fosse aceito. Seu coração se enchia de esperança à luz desses pensamentos.

Ele sorria enquanto planejava os detalhes da sua viagem. Nem arrumaria as malas, apenas viajaria de carona. Desceria onde fosse jogado, e de lá pegaria mais caronas para ver onde chegaria. Seguindo em frente, sempre seguindo em frente, sem olhar para trás. Queria que sua família o visse partir... Será que chorariam? Não sabia. Duvidava, na realidade.

Estava decidido: acertaria suas contas e viajaria para nunca mais voltar.

Assim o fez: cinco dias depois, com um bilhete para os pais e uma mensagem via inbox para o namorado, ele voou para sua nova vida, pousando rapidamente em seu destino incerto.

Mas estava errado em uma coisa.

Seus pais choraram com sinceridade em seu funeral.