Coisas interessantes

quarta-feira, 10 de julho de 2013

Aportando pela primeira vez.

- Ainda acho que é uma ideia precipitada...

- Cale a boca, Barker. Sei o que estou fazendo.

Os dois viajantes usavam capas muito grossas, e se protegiam da chuva forte e persistente com seus capuzes. Tinham um encontro marcado com um informante em uma taverna na rua principal do vilarejo adjacente à cidade de Norwich. Seus passos abafados pelos trovões eram rápidos e discretos, e seus vultos se esgueiravam a cada lampejo no meio da tempestade. Se alguém os reconhecesse tudo estaria perdido; entretanto, a informação coletada seria a mais valiosa até então. Os dois prosseguiam apressados até finalmente chegarem ao local escolhido: O Beholder Caolho.

Era um lugar cheio de tipos estranhos, até mesmo para os padrões dos viajantes. Barker - um homem de porte grande e forte, porém com alguma graça em seus movimentos - puxou seu colega para o canto menos iluminado da taverna, no qual eles encontraram uma mesa entre as sombras. O tempo deles era limitado: tinham até a próxima briga de bar para conseguirem a informação e se esgueirarem de volta para o zeppelin que sobrevoava o vilarejo naquele instante. Não se deram ao trabalho de baixar os capuzes; ninguém naquele tipo de lugar o fazia. Os que não frequentavam O Beholder Caolho pela cerveja barata o faziam para tratar de negócios obscuros. O anormal seria um happy hour acontecer naquele lugar.

Os dois esperaram. Foi uma espera que pareceu eterna, mas finalmente o informante chegou; era um homem pequeno, atarracado, de aparência suja e mazelada. Instruído a procurar a mesa mais escondida do lugar ele foi, e logo fazia contato com aqueles dois vultos encapuzados. A transação iniciou-se quando Erian, uma pessoa muito menor e com uma aura muito mais ameaçadora do que a de Barker, estendeu um peso de ouro para o homem. Mas o que chamou a atenção dele, num primeiro momento, não foi o brilho da moeda estendida, mas a mão que a estendia. Era uma prótese feita do que aparentava ser uma liga metálica resistente e maleável. Parecia forte. Poderia em poucos segundos estraçalhar sua garganta. O informante se sentiu estranhamente atraído para uma ratoeira naquele momento; achou que as coisas não podiam piorar.

Foi aí que ele ouviu a voz que vinha daquela pessoa: era uma mulher.

- Apresentações são dispensadas. Pode começar a falar. - disse Erian, num tom claramente hostil. Barker observava o movimento da taverna, enquanto ouvia a conversa. Sua mão direita estava pronta para empunhar uma arma.

- Eu não quero problemas, por favor... - começou o homem, numa breve súplica. - Sei pouquíssimo sobre a situação, mas ouvi algumas coisas. A ordem de execução selada definitivamente saiu de Norwich, e chegou aos corsários através de falcões. Também ouvi, enquanto servia uma refeição para o Capitão Gilles, uma definição de estratégia para o ataque do Mother Mary...

- Nomes. - interrompeu Erian, impaciente. - Eu vim aqui para coletar nomes. Quais são os que você me dará, sr. Davos?

- Já estou chegando lá... - explicou-se, olhando para a mão metálica batendo seus dedos na mesa de madeira com irritação. - Eu desertei aquele zeppelin, estava com muito medo do conflito, e quando ouvi falar do massacre ocorrido depois agradeci aos Deuses por me iluminarem e me ajudarem a fugir... Mas antes de abandonar a tripulação eu ouvi um sobrenome: Dawies. - concluiu, enfim.

- Isso é quase alguma coisa, mas estou mais interessada na ordem selada. Chegou a ver o selo, sr. Davos? Como ele era? - perguntou a mulher, com genuíno interesse.

- Vi de relance. Parecia uma montanha, mas nela havia algo muito grande enrolado... Algo como uma serpente gigante, ou um...

- Dragão? - completou Erian, sabendo em que família aquilo resultaria.

- Sim, poderia ser um dragão sim. - confirmou o homem. - Permita-me--

O homem nunca pôde terminar sua frase, pois no centro da taverna uma mesa foi virada em cima de um homem, e uma briga se iniciou. Em poucos segundos todo o bar estava em polvorosa. Mas Davos não teve a chance de fugir, ou de entrar na briga, pois no meio daquela baderna ele teve a sua traquéia perfurada e arrancada pelas garras metálicas das quais ele teve tanto receio. Seu corpo caiu ao chão e foi arrastado para baixo da mesa, enquanto os dois viajantes saíam do estabelecimento da forma mais silenciosa possível.

***

- Aquilo foi realmente necessário, Erian? - perguntou Barker, enquanto procuravam o mesmo ponto em que aportaram naquela noite.

- É a segunda vez no dia de hoje em que dá a sua opinião sem ela ser pedida. - ela respondeu, subindo depressa uma encosta. - Informantes são armas perigosas, pois suas informações irremediavelmente passeiam de um lado da história para o outro. Isso foi apenas mais um nó na nossa rede cheia de pontas soltas.

- Descobrimos algo de valioso, pelo menos?

- Conseguimos a confirmação do que antes era uma teoria entre uma centena.

Ao atingirem o topo da encosta, Barker tateou o ar até encontrar uma escada de corda. Baixou-a, então, para que Erian começasse a subida. Esta, antes de prosseguir, fitou o homem.

- Temos de agilizar os papéis do casamento, Anthony. Em três meses nossa infiltração em Norwich se iniciará.

Barker sorriu pesarosamente e, subindo atrás dela, remoeu certos pensamentos.
"Em três meses vislumbraremos pela primeira vez o Inferno. Deus nos ajude."