Ela se preparava para cantar no palco de um bar da zona universitária. Reconhecer Lucy era difícil. Há apenas seis meses a garota fugiu da clínica de reabilitação, sentindo-se traída por sua família e amigos. Planejou aquele momento por algum tempo, então; seria o seu show para os que a conheciam. Conheceram. Pois ela não era mais a mesma há um bom tempo.
A maquiagem escura ressaltava o verde de seus grandes olhos. As olheiras foram escondidas, mas ela não conseguiu disfarçar totalmente a magreza de seu rosto. Seus lábios estavam vermelhos, algo que ela sempre gostou de estampar. Vermelho, por todo seu corpo. Com branco e preto. Achava uma combinação estonteante. Claro que seus cabelos, outrora longos e ruivos, encontravam-se curtos como o de um garoto e muito desbotados. É isso o que acontece quando você é um viciado. Ao se olhar no espelho sequer conseguiu se lembrar de como era há cinco anos atrás. Precisou recorrer a uma foto em sua carteira, na qual duas jovens riam para a câmera. Elas eram idênticas na época. Lucy sabia, entretanto, que sua gêmea não era mais sua cópia. Penny permaneceu bela, jovial e saudável, com aquelas longas madeixas ruivas balançando e conquistando a todos.
No fundo Lucy sabia que a culpa era toda dela, mas também não era fácil se sentir abandonada naquela situação... Pois chegou um ponto em que ninguém mais a visitava. Obra de seu pai, supunha. Não importava, na verdade, pois a solidão estava lá. Sentada em cima de seu peito.
Colocaria aquilo para fora naquela noite.
Ela foi para o palco, fechando os olhos quando eles foram atingidos pela luz azul. Havia apenas um holofote apontado para aquele palco. Ela se sentou num banquinho, pegando uma guitarra e começando a tocar e cantar. Sua voz também estava diferente. Não em timbre, mas em entonação. Estava carregada de rancor. Tristeza. Renúncia.
"Esse não é um set sobre perdão.", ela disse, antes da primeira música.
Enquanto isso algumas pessoas chegavam ao bar. Dias antes, alguns bilhetes anônimos foram enviados para certas pessoas: a gêmea, o ex, a tia e o tio.
Penny foi a primeira a chegar, com uma foto das duas em mãos. "Hollis St., 345 8 p.m. Go alone." era o que estava escrito atrás da fotografia, com a letra da gêmea. Ela obedeceu e foi sozinha, determinada a trazer Lucy de volta para casa. Após uns minutos, encontrou-se com Leonnard, Jen e César, cada um trazendo consigo uma fotografia.
Juntaram as quatro fotos: em uma, Lucy beijava Leonnard apaixonadamente. Em outra, Lucy bagunçava a cabeleira ruiva de sua tia, Jen. Na terceira ela fazia o mesmo com os cabelos também ruivos de seu tio, Cé. E havia, é claro, a foto em que ela estava com a gêmea, na qual elas simulavam tocar um espelho.
Todas elas continham o mesmo recado escrito atrás.
Abalados, os quatro se encaminharam para perto do palco ao ouvirem a voz da garota sair das caixas de som. Tentaram correr, mas o lugar estava cheio demais. Tiveram de ir para o segundo andar do pub para conseguirem dar uma boa olhada em Lucy. A visão fez os quatro tremerem.
Foi no término da sétima música que ela finalmente avistou seus convocados. Não sorriu. Apenas lançou a eles um olhar tétrico e começou a cantar a sua última música.
You could be my unintended choice
To live my life extended
You could be the one I'll always love.
Cantava com a maior tristeza que sentira na vida. As pessoas que estavam mais perto do palco, por conseguirem ver melhor o rosto da ruiva, começaram a chorar. Ela fitou seus familiares, cantando os próximos versos para eles.
You could be the one who listens to my deepest inquisitions
You could be the one I'll always love.
I'll be there as soon as I can
But I'm busy mending broken pieces of the life I had before.
Nunca os perdoaria por deixarem com que ela fosse trancada na reabilitação. Eles a esqueceram lá, e o tempo perdido não poderia ser recuperado. Voltou o seu olhar para Leonnard, cantando o trecho seguinte para ele.
First there was the one who challenged
All my dreams and all my balance
She could never be as good as you.
You could be my unintended choice
To live my life extended
You should be the one I'll always love.
Em sua mente, ele foi o primeiro que a abandonou. Sua mente estava anestesiada, pois sentia que já tinha chorado demais por tudo o que aconteceu. Lucy cantava com ódio, com rancor. Pela distância, a cantora não podia ver que todos os alvos dessa canção choravam. Penny já não podia mais olhar para a irmã. César abraçava a jovem, enquanto Jen apenas fitava o palco em choque.
Leonnard estava pregado no chão. Sabia que Lucy podia ser cruel, mas aquilo era demais até para ela. "Eu não conheço essa pessoa.", pensou. Queria ir embora... Mas não conseguia. Apenas ficou parado, sem conseguir se mexer, deixando as lágrimas rolarem em seu rosto.
You could be my unintended choice
To live my life extended
You should be the one I'll always love.
I'll be there as soon as I can
But I'm busy mending broken pieces of the life I had before.
Lágrimas negras escorriam pelas faces de Lucy enquanto ela cantava o trecho final dessa música. Leonnard deveria ser a pessoa com quem ela passaria o resto de sua vida. Sempre soube disso. Mas jamais teve a ilusão de que as coisas poderiam voltar a ser como foram no passado. Todos a desertaram. Ela apenas estava retribuindo na mesma moeda.
Tudo era justificado.
I'll be there as soon as I can
But I'm busy mending broken pieces of the life I had before.
Com o acorde final, ela repetiu: "Como eu disse, esse não é um set sobre perdão." No meio do silêncio fúnebre que assolou o lugar ela deixou o palco.
Aquela foi a última vez em que Lucy foi vista.