Era uma mulher de paixões efêmeras. Seu mundo era um eterno outono e tinha cheiro de canela. Chamava-se Ana Rosa, mas gostava mais de violetas. Não que não gostasse de alguma flor, mas é que realmente tinha uma queda pelo azul-violetado. Ou seria violeta-azulado? A dúvida sempre a divertia.
Ana Rosa odiava certezas. Nunca gostou de escola, mas desde pequena juntava conhecimentos e experiências em caderninhos. Cada dia para ela era uma nova jornada. Cada passeio com sua bicicleta era uma nova descoberta, e cada ponto da cidade um novo jardim a ser desbravado, registrado e amado. E como amava aquela cidade. Mudara-se para lá por amor, um amor que nunca sentiu por pessoa alguma. A cidade era a única regra em sua vida, pelo simples motivo de que era a única constante variável que já vira.
O nome dessa cidade é Curitiba. Não tem, naturalmente, cheiro de canela... Mas Ana Rosa sabia onde procurá-lo.
A menina não sabia que, anos após a sua morte (que aconteceria - por completo - em mais ou menos dez anos a partir daqui), seria a musa de não apenas um, mas de diversos escritores e de suas epifanias. Ela se preocupava, no momento registrado neste texto, com os tijolos amarelos de uma casa de telhado verde. "É uma bela história", você deve estar pensando - e com razão! A história de vida de Ana Rosa é bela. Bela de uma forma que, se conseguires ler por inteiro, lhe fará sentir uma dor terrível no coração. A garota desenhava em seu caderninho com muita concentração, e só levantou a cabeça ao sentir falta de uma boa iluminação; escurecia. Ana Rosa resolveu pegar sua bicicleta e ir para casa... Continuaria o desenho de memória.
Mas ela não teve tempo sequer de subir na tal bicicleta. Antes que pudesse entender o que estava acontecendo, dois homens de três metros de altura a jogaram no chão. Eles não tinham rostos para mostrar. Ela foi arrastada pelas pernas para dentro da casa de tijolos amarelos e telhado verde, que estava abandonada, e lá dentro suas roupas foram rasgadas. Tudo era um borrão em vermelho mais um branco trêmulo de uma lâmpada em curto. Foi agredida, xingada, socada, humilhada. Sangrou por sua flor, por sua boca, por vários cortes, por baixo da própria pele e também pela alma. Após o que lhe pareceu uma eternidade... Acabou. A agressão, os agressores, a luz... Tudo se foi.
Inclusive parte de sua vida.
Encontraram-na ao entardecer do dia seguinte, em circunstâncias que nunca voltaram à sua memória até o dia de sua morte. Lembrava-se de pouquíssimas coisas, mas algumas imagens ficariam para sempre impressas em sua mente.
Os tijolos amarelos.
O telhado verde.
O belo jardim de violetas que crescia em uma parte do terreno.
Quando conseguiu recuperar seu eu, sua existência e sua consciência, tempos depois, Ana Rosa vendeu sua bicicleta. Fez um voto de despedaçar qualquer violeta que estivesse ao seu alcance; senta repulsa pelo azul-violetado que testemunhara o começo de seu fim... Ou violeta-azulado. Tanto faz. Também começou a omitir a Rosa de seu nome, por ter perdido seu gosto por flores. Deixou os cabelos crescerem, tingiu-os de vermelho e comprou uma moto. Trocou a boina pelo capacete, as blusas de lã por roupas normais de gente grande. Então viajou para a Rússia, e ficou lá por uns tempos.
Voltou Anoushka. Ou então, para o futuro escritor... Ruby.
Nunca mais sentiu cheiro de canela.
Ana Rosa odiava certezas. Nunca gostou de escola, mas desde pequena juntava conhecimentos e experiências em caderninhos. Cada dia para ela era uma nova jornada. Cada passeio com sua bicicleta era uma nova descoberta, e cada ponto da cidade um novo jardim a ser desbravado, registrado e amado. E como amava aquela cidade. Mudara-se para lá por amor, um amor que nunca sentiu por pessoa alguma. A cidade era a única regra em sua vida, pelo simples motivo de que era a única constante variável que já vira.
O nome dessa cidade é Curitiba. Não tem, naturalmente, cheiro de canela... Mas Ana Rosa sabia onde procurá-lo.
A menina não sabia que, anos após a sua morte (que aconteceria - por completo - em mais ou menos dez anos a partir daqui), seria a musa de não apenas um, mas de diversos escritores e de suas epifanias. Ela se preocupava, no momento registrado neste texto, com os tijolos amarelos de uma casa de telhado verde. "É uma bela história", você deve estar pensando - e com razão! A história de vida de Ana Rosa é bela. Bela de uma forma que, se conseguires ler por inteiro, lhe fará sentir uma dor terrível no coração. A garota desenhava em seu caderninho com muita concentração, e só levantou a cabeça ao sentir falta de uma boa iluminação; escurecia. Ana Rosa resolveu pegar sua bicicleta e ir para casa... Continuaria o desenho de memória.
Mas ela não teve tempo sequer de subir na tal bicicleta. Antes que pudesse entender o que estava acontecendo, dois homens de três metros de altura a jogaram no chão. Eles não tinham rostos para mostrar. Ela foi arrastada pelas pernas para dentro da casa de tijolos amarelos e telhado verde, que estava abandonada, e lá dentro suas roupas foram rasgadas. Tudo era um borrão em vermelho mais um branco trêmulo de uma lâmpada em curto. Foi agredida, xingada, socada, humilhada. Sangrou por sua flor, por sua boca, por vários cortes, por baixo da própria pele e também pela alma. Após o que lhe pareceu uma eternidade... Acabou. A agressão, os agressores, a luz... Tudo se foi.
Inclusive parte de sua vida.
Encontraram-na ao entardecer do dia seguinte, em circunstâncias que nunca voltaram à sua memória até o dia de sua morte. Lembrava-se de pouquíssimas coisas, mas algumas imagens ficariam para sempre impressas em sua mente.
Os tijolos amarelos.
O telhado verde.
O belo jardim de violetas que crescia em uma parte do terreno.
Quando conseguiu recuperar seu eu, sua existência e sua consciência, tempos depois, Ana Rosa vendeu sua bicicleta. Fez um voto de despedaçar qualquer violeta que estivesse ao seu alcance; senta repulsa pelo azul-violetado que testemunhara o começo de seu fim... Ou violeta-azulado. Tanto faz. Também começou a omitir a Rosa de seu nome, por ter perdido seu gosto por flores. Deixou os cabelos crescerem, tingiu-os de vermelho e comprou uma moto. Trocou a boina pelo capacete, as blusas de lã por roupas normais de gente grande. Então viajou para a Rússia, e ficou lá por uns tempos.
Voltou Anoushka. Ou então, para o futuro escritor... Ruby.
Nunca mais sentiu cheiro de canela.