Um trovão a acordou com um susto naquela madrugada. Ela respirou fundo quando percebeu que era apenas aquilo. Um trovão. Giovanna se levantou de sua cama, indo até a janela. Abriu um pouco uma das cortinas, para observar a tempestade daquela pequenina fresta. Gostava de chuva, mas a violência que assolava a cidade naquela noite a deixava com medo.
Um relâmpago... E outro trovão. Ela se assustou novamente, mas dessa vez, o motivo não foi o que estava lá fora. A garota jogou os cabelos castanhos para trás, tentando disfarçar o nervosismo; sentia que havia mais alguém no quarto com ela. Não se atreveria a virar-se. Ao invés disso, abriu totalmente a cortina, e quase que imediatamente soltou um grito terrível, um berro de horror - pois na sua janela, além do reflexo fraco de sua cama, havia também o reflexo de uma silhueta que a fitava de forma ávida, ansiosa. Ela finalmente se virou, pegando o primeiro objeto que alcançou - um porta-retrato - e atirando-o na direção da silhueta.
O porta-retratos se espatifou na parede.
Giovanna segurou a respiração até perceber que realmente estava sozinha. Ela pegou o porta-retrato quebrado e cuidadosamente juntou os cacos de vidro. Parou então por um momento para admirar a fotografia que o objeto costumava abrigar: uma bela imagem de sua mãe, mais ou menos com sua idade, e seu avô ao lado dela. Reparava que, em seu próprio rosto, herdara alguns traços de seu avô; talvez mais nitidamente do que sua mãe. Tinham, Giovanna e seu avô, o mesmo semblante gentil; também o mesmo olhar sereno. Colocou a fotografia em cima de sua escrivaninha, parando para observar os outros três porta-retratos: um com a imagem dela, juntamente com seus pais e seu irmão, tirada há poucos meses. Os quatro sorrisos cintilavam ao sol. O segundo era uma foto de seu irmão com seus padrinhos - Jared Pollcheck e Iris Owen -, com dois sorrisos sinceros e um semblante malicioso, travesso. A terceira fotografia foi colocada recentemente em cima dessa escrivaninha: uma imagem da irmã de sua mãe, uma bela mulher chamada Beatrice. Ela se parecia muito com Alice. Tinha cabelos escuros, um tanto avermelhados, olhos cor de jade e uma aveludada palidez na pele. Alice, contudo, tinha um rosto gentil e delicado. Já Beatrice se parecia mais com a própria, também chamada Beatrice. A tia de Giovanna não era filha de seu avô. Aliás, a jovem - que agora fitava as quatro fotografias com certo incômodo -, há poucos meses atrás, sequer sabia que sua mãe tinha uma irmã. Ninguém sabia.
A mulher, de qualquer forma, faleceu ao dar a luz. O primo da morena, um rapaz chamado Erick Frostheart, herdara poucos traços da mãe. Giovanna se sentia mal por não ser tão envolvida com esse lado da família... Como se estivesse perdendo algo. Como se houvesse uma falha ainda não muito clara na estruturação da sua família.
Algo ali estava errado.
Ela se sobressaltou novamente ao ver outro lampejo, seguido de um trovão ensurdecedor. Para sua maior surpresa - e também para o seu terror -, o relâmpago iluminou dois vultos em seu quarto. Algo, porém, acalmou minimamente seu coração: seu avô e sua tia sorriam em sua direção.
Com a escuridão eles desapareceram. Boquiaberta, a garota caiu sentada em sua cama, com os olhos arregalados. Ofegava.
"Such a beauty--", uma grave voz sussurrou. Ela estava, obviamente, assustada. Contudo, sua curiosidade superava seu medo.
- Quem...?
"Você sabe."
Giovanna não dormiu naquela noite. Poderia, sim, estar enlouquecendo. Aquilo poderia ser fruto de seus medos, suas esperanças, ou mesmo do sono; mas ela não acreditava nisso.
Em seu esperançoso coração, tinha muita fé na maravilhosa e assustadora possibilidade de ter realmente trocado palavras com seu avô.
Nenhum comentário:
Postar um comentário